quarta-feira, 6 de outubro de 2010

O inferno são os outros.

POR JEAN WYLLYS A coluna da semana passada – intitulada “O inferno pode ser aqui” – causou polêmica entre meus leitores. Digo isto a partir dos emails pró (a maioria deles) e contra que recebi ao longo da semana. O senso comum de que política, futebol e religião são assuntos que não devem ser discutidos porque levam fatalmente a controvérsias e polêmicas quando não a violências verbais e físicas, este senso comum é o mais contrariado, pois o que mais discutimos é justamente futebol, religião e política. E eu, de minha parte, gosto de discutir estes assuntos. Por isso é que, entre os emails contra a coluna da semana passada que recebi, selecionei, para responder, aquele mais emblemático porque sintetiza, num texto razoavelmente escrito dentro das normas da língua, os argumentos de todos os outros e porque foi escrito por um professor dos ensinos fundamental e médio que eu chamarei de M para preservar sua identidade. Em seu email, M diz: “Quando vocês LGBT tentam nos rotular de fundamentalista é porque vocês ignoram que para nós a Bíblia não é um mito, para nós as escrituras é a palavra de Deus. Não digo isto para te afrontar, mas é assim que é e sempre será. (…) por isso somos contra o aborto, adoção de crianças por homossexuais e casamento homossexual, afinal nenhum ser humano veio de uma relação de pessoas do mesmo sexo, e isso não é questão de religião, é a natureza estruturada perfeitamente em seu lugar”. M não pára por aí e vai além em seus “argumentos”: “temos também esse direito [de expressão] e faremos uso dele para dizer à igreja cristã, não votem em quem defende causas antibíblica. (…). Acredito que se houvesse um plebicito [sic], e espero que tenha, a nação brasileira diria não! a essas serie [de] questões que estamos pautando. (…).Vamos confronta [sic] tudo que é forjado e deturpado na desigualdade ou privilégios de uns para com os outros, e para isso dizemos hoje para igreja evangélica no Brasil, Não votem em candidatos que defendem causas do LGBT”. Bom, eis minha resposta para M: Não pode haver diálogo entre nós porque eu falo como um homem de ciência e não como um religioso. Não me pauto em dogmas nem em mitos tomados como verdades absolutas (mitos são mitos e apenas isto; e quem os toma como verdades absolutas são fundamentalistas, sim, pois, estão tomando os fundamentos da religião – e toda e qualquer religião é fundamentada em mitos – como verdades incontestáveis; há fundamentalistas cristãos evangélicos e católicos, mulçumanos, judeus e até mesmo nas religiões de matriz africana), pauto-me pelo conhecimento produzido pela humanidade que nos legou, entre tantas coisas, a roupa que você veste; a técnica de produção do papel com o qual é fabricado a bíblia que você lê (ou você acha que ela caiu do céu?) sem falar da própria técnica de impressão; o computador a partir do qual você me mandou seu email; e as técnicas de reprodução humana que libertaram o sexo de sua função reprodutiva, permitindo que uma mulher ou um homem estéril possa ter filhos fora das “leis” da natureza (será que cada vez que você faz sexo é para ter um filho ou você admite que faz sexo também porque gosta de gozar e porque gozar é prazeroso e nos faz pessoas saudáveis?). Ou seja, seu argumento não passa de uma falácia ou de fruto de uma ignorância expressa. Se você quiser levá-lo adiante com honestidade; se quiser que eu o leve em conta e lhe considere uma pessoa honesta consigo e com os outros, sugiro que abra mão de tudo que é conquista cultural e vá viver como um animal de acordo com as “leis” da natureza; só assim, você estará sendo honesto em usar o argumento de que “nenhum ser humano nasceu da relação entre dois homens ou duas mulheres”. Do contrário, admita sua enorme ignorância – eu temo pelo destino da mentalidade de seus alunos – e sua homofobia expressas. Ou admita sua má fé e a intenção de manipular politicamente o conteúdo bíblico, que, volto a dizer, não traz qualquer referência à homossexualidade e deve ser interpretado, pois, se o tomássemos ao pé da letra, deveríamos praticar, em pleno século 21, algo abominável e desumano como a escravidão de pessoas, pois, é o que recomendam trechos dos livros Levítico (25, 44-46) e Êxodo (21, 7-11) e das cartas de Paulo aos Efésios (6, 5-7) e a Timóteo (I, 6, 1-4). Tenho amigos cristãos evangélicos que são inteligentes e compreendem que a religiosidade deve dar um sentido às grandes questões da existência, jamais ser manipulada para amedrontar pobres ignorantes e, assim, arrancar, deles, seu pouco dinheiro. Aliás, por falar em dinheiro, não nos esqueçamos de que Jesus – grande sábio que, se vivo estivesse, morreria de vergonha da hipocrisia dos que falam em seu nome hoje em dia – açoitou os vendilhões do templo! O que não falta hoje em dia são templos com seus vendilhões, que, embora sirvam principalmente ao deus-dinheiro, acreditam que o inferno são os outros.

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