sexta-feira, 11 de maio de 2012

Coisas de Vó

Se eu tivesse poderes sobrenaturais, a primeira coisa que eu faria era ressuscitar minha vó.
Ainda hoje, mais de 10 anos após sua viagem pro céu, tenho saudade e lembro de tudo, cada momento que passamos juntos. E como eu me arrependo de não ter recebido e dado mais carinho...
Bem, hoje lembrei de um dos muitos momentos que tivemos juntos  e resolvi registrar.
Ela queria ter um neto inteligente, por isso não media esforços para me ensinar tudo. Quando foi me ensinar a contar (lembro detalhadamente), eu fiquei na cama e ela no chão, eu bem em cima dela, e as mãos dela no meu cabelo.
Repetiu várias vezes de 1 a 20, até que decorei. Daí, ela disse que "de 20 pra frente, é só repetir o nome 'vinte' e falar os números de um a nove". Então ela dizia o número fechado, eu decorava e seguia.

- Vinte e oito, vinte e nove?
- Trinta! Ela dizia.

Passamos quase uma hora nisso, e ela estava cansada. Percebi quando chegaria no 100:
- Noventa e oito, noventa e nove?
Ela cansada, respondeu:
- Jumenta!!!
A minha confiança era mesmo a de um neto para com a vó:
- Jumenta! Jumenta um, jumenta dois... continuei normalmente.
Após boas gargalhadas, um abraço e um "te amo" foram suficientes para tornar esse momento inesquecível.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Veta tudo, Dilma

Algo está muito errado quando a maioria dos parlamentares, na contramão da vontade da maioria da sociedade, prefere um modelo de desenvolvimento que, em razão do lucro rápido, compromete o futuro do próprio país.

O novo Código Florestal aprovado pela Câmara é tudo, menos "florestal". Virou uma regulamentação de atividades econômicas no campo, nas cidades e nos litorais, de forma a dourar a pílula e apaziguar consciências. Está longe de representar equilíbrio, sustentabilidade, respeito às pessoas e aos bens do país.

O que saiu do Senado, tido como de "consenso", já ignorava o parecer das autoridades científicas e de especialistas de diversas áreas. Em nome dele, lideranças de quase todos os partidos classificaram como "radicais" as vozes críticas que defendiam as salvaguardas da legislação ambiental, capazes de garantir a qualidade de vida das gerações presentes e futuras.

As mesmas lideranças, porém, contemplaram os interesses verbalizados pelas outras vozes mais radicais de um Brasil atrasado, que se recusam a entender que desenvolvimento econômico e preservação ambiental são indissociáveis.

Tais escolhas colocam a presidente Dilma diante da tarefa de fazer o que sua base de apoio não fez. Veremos debates nos próximos dias, principalmente sobre o que deve ser vetado. A discussão será algo do tipo: o quão menos ruim o projeto pode ser para não ter um caráter imediatamente fatal. 
Como foi aprovado no Congresso, já é praticamente unânime que ele trará implicações nas taxas de desmatamento. Discutir o veto parcial é como avaliar se desejamos colapsar os nossos ecossistemas (e, com isso, inviabilizar nossa agricultura) em 10 ou 20 anos.

O veto deve anistiar os desmatadores ou desobrigar a recomposição de matas ciliares? Deve ser pelo fim dos mangues ou pela redução de reserva legal? Fragilizar as veredas ou as nascentes e mananciais? 
Não é isso que deveríamos discutir. Temos todas as condições de liderar o processo de transição para o desenvolvimento sustentável. O Brasil pode ser para o século 21 o que os Estados Unidos foram para o mundo no século 20. Mas são necessárias visão antecipatória e determinação de perseguir nosso destino de grande potência socioambiental. Não é fácil fazer a melhor escolha, porém é na pressão dos grandes dilemas que se forja a têmpera dos que estão afiados a talhar os avanços da história.

A presidente Dilma terá que decidir qual modelo de desenvolvimento quer para o país. Não dá para ter na mesma base de apoio o sonido da motosserra e o canto do uirapuru. Agora, resta a ela usar seu poder de veto ou compactuar com o que está posto. Chegou a hora da verdade. Veta, Dilma. Veta tudo, não pela metade.

sábado, 7 de abril de 2012

Breve nota sobre o amor

Amor é substantivo. Amar é verbo. Substantivos abstratos são o que a própria definição aponta: inconsistentes, vagos, voláteis. Amor é sentimento ansioso por vertebrar-se. Verbos são todos concretos. O amor, se não virar ação, permanece verbete, fria definição de algum dicionário. Talvez palavra frívola dos folhetins baratos.  Amor, para ser verdadeiro, precisa desdobrar-se em compromisso – e adquirir tato.
O cotidiano, a rotina, a mesmice,  conspiram contra o amor gerado por sentimentos momentâneos. Emoções efêmeras não sobrevivem à tritura da repetição. O dia a dia, porém, solidifica o amar compromissado. A cada instante, momentos delicados do viver se misturam aos hábitos. Só com o tempo a declaração “eu te amo” ganha significado.
Amar aceita a imperfeição – não só a tolera. Os apaixonados são todos iludidos. Os amantes atravessam o largo canal que separa as idealizações das pessoas verdadeiras. No amar, o outro é celebrado com menos distorção. Quando se ama, perdoar perde a força de controle – ambos se sabem carentes de compreensão.
Amar é descobrir, de mãos dadas, a beleza de viver. A dor, descobrimos sozinhos. Alegria precisa de companhia. Alguns momentos só valem quando partilhados. Não tem graça fazer churrasco no quintal sem riso e sem conversa. Ou beber o melhor vinho sem amigo para brindar. Ou contemplar uma linda paisagem sem poder comentar.  Ou repartir a alegria de ver uma criança sorrindo.