quarta-feira, 30 de março de 2011

Carta aberta ao Deputado Jair Bolsonaro




Caro futuro ex-deputado Jair Bolsonaro,
Espero, sinceramente, que você leia esta carta e já esteja muito longe do poder.  Por isso me recuso a usar qualquer pronome de tratamento com você. Até porque, bem na verdade, o senhor não merece qualquer tipo de tratamento diferenciado, afinal, defende que não existam diferenças, uma vez que a constituição brasileira é igual para todos, não é?
Fere meu orgulho de ser brasileiro ver alguém como o senhor representando o estado do Rio de Janeiro em Brasília. Fere, primeiramente, por ver que o senhor está no poder há vinte anos sustentando o mesmo discurso nazi-fascista. O senhor, deputado, não defende os valores da família. O senhor defende tudo que há de mais errado na nossa sociedade. O senhor defende o preconceito, o desrespeito, o desprezo e a violência. São seis mandatos consecutivos propagando o ódio.
É, no mínimo, revoltante ver que alguém como você, que está na Câmara dos Deputados representando o povo brasileiro, tenha esse tipo de discurso. Será que o povo brasileiro é um recorte do seu comportamento? Será que o povo brasileiro concorda em não entrar em um avião pilotado por um aluno cotista? Será que o povo brasileiro pediria ao médico, antes de qualquer procedimento, que desse uma prova de que não é cotista? O que o senhor, em vinte anos como deputado federal, fez para reverter a necessidade de cotas raciais ou sociais? Quanto o senhor já gastou de seu tempo modificando as políticas sociais do país e pedindo melhorias na educação? Acho que o senhor estava ocupado demais pescando com seus filhos e posando para seu site com um belo uniforme militar para se preocupar com suas reais obrigações com o país.
Jair, entenda, se hoje o Brasil está “desse jeito”, como o senhor reclama, a culpa é única  e exclusiva do processo ditatorial que passamos por anos nestas terras. Ou seja, se hoje existe o desrespeito a familia, e pessoas precisando “levar uma boa surra”, a culpa é sua. A culpa é do silêncio que seus amigos propagaram no país. Esse grito que fazemos todos os dias nada mais é que o trauma pelos desprezíveis anos que passamos sob o jugo da censura e da tortura.
O senhor diz que não tem filhos gays porque os deu uma boa educação e sempre esteve presente na infância deles. Ora, deputado, acredite, meu pai me deu uma educação exemplar. Coisa que muito me orgulho. E sempre foi presente. Sempre foi preocupado com minha educação e sempre esteve ao meu lado. Meus pais são casados até hoje, sempre vivi num lar de cultura hetero-normativa como o lar que o senhor propõe a toda familia brasileira, e curiosamente, sou homossexual. Talvez meu pai não tenha sido tão presente quanto o senhor. Talvez porque ele precisava ter dois empregos enquanto a ditadura estava no país. Talvez porque meu pai nunca ganhou pensão como militar, nunca ganhou décimo-quarto e décimo-quinto salários e outros benefícios. Talvez porque meu pai precisou esconder seus ideais quanto tinha a minha idade, pois teve centenas de amigos presos e torturados, muitos deles, desaparecidos até hoje, enquanto o senhor se esbaldava no manjar da ditadura militar. Perdão. Durante o governo militarista, fruto da heróica revolução de 1964. Saudades do Geisel, não?
Deputado, acredite, nós homossexuais não queremos ser “tolerados”. Tolerar é muito pouco. Queremos que o discurso do senhor, que a constituição é igual para todos, seja válido. Queremos ter os mesmos direitos que o senhor. Queremos poder casar, queremos nos divorciar, queremos ter direito a pensão, direito visitas íntimas quando um companheiro estiver preso, e tudo mais que o senhor desfruta hoje e eu não. Já disse Saramago: “Tolerar a existência do outro e permitir que ele seja diferente ainda é muito pouco. Quando se tolera, apenas se concede, e essa não é uma relação de igualdadade, mas de superioridade sobre o outro. Deveríamos criar uma relação entre as pessoas da qual estivessem excluídas a tolerância e a intolerância”.
Não, Jair. A nação não ruirá com os valores familiares do séculos XIV caindo por terra. As estruturas familiares hoje vão muito além das aparências que o senhor sustenta. Hoje o Brasil conta com um incrível número de mães solteiras, casais divorciados e casais homossexuais, com seus filhos, e outras tantas estruturas familiares que vão muito além dos adesivos de familia feliz colados nos pára-choques de carros. Nem por isso nosso Estado está arruinado. Pelo contrário, aqueles que lutaram contra a ditadura que o senhor apoiou e brindou a morte de tantos, trouxeram um país muito mais próspero. A fase mais próspera da economia brasileira.
Dentre todas suas declarações, todas extremamente equivocadas, a que mais me choca é ver a sua opinião sobre ter uma nora negra. Receber uma mulher negra em sua família é um ato promíscuo? Em sua resposta a Preta Gil, filha de um exilado político da Ditadura, mulher e negra, o senhor desrespeitou, em uma única frase, três setores da sociedade. Qualificar a paixão como falta de educação foi um duro tapa na cara. Por mais que muitos tenham boa vontade e acreditem que o senhor não entendeu a pergunta, ou que a edição tenha prejudicado, eu acredito sim que o senhor acredite que uma mulher negra, filha de rebeldes da ditadura militar, seja uma promiscuidade. Isso é uma ofensa a todos aqueles que se solidarizam com as vítimas da ditadura, com todas as mulheres e todas e todos os negros deste país. Acredite, é bastante gente. Muito mais que os militares que o senhor defende. Muito mais que os míseros 120 mil eleitores que o senhor conquistou em 2010.
Não, Jair Bolsonaro. O senhor não me representa. O senhor representa apenas os equívocos que esse país já cometeu. Representa o retrocesso. Representa a necessidade de cotas, que o senhor tanto critica, representa a escravidão, o silêncio, as masmorras e todas as atrocidades já cometidas nesse país.
O senhor, futuro ex-deputado Jair Bolsonaro, representa tudo que o Brasil hoje mais abomina. E todos os 120 mil eleitores que o colocaram em seu sexto mandato são totalmente responsáveis por esse grotesco show de horrores protagonizado em nossa recente democracia. Irônico um ex-militar que apóia e se diz saudosista da ditadura depender tanto da democracia pra viver,  não?  São 120 mil pessoas que pregam o racismo, a homofobia e a misoginia. Espero, do fundo do meu coração, que o senhor leia isso. E não quero nada além de esclarecimento ao senhor. Jamais desejaria tortura ou a morte a alguém como você. Você merece a tortura pessoal e psicológica de ter um dia usar sua língua como seu chicote.
Atenciosamente
João Márcio Dias de Alencar

segunda-feira, 28 de março de 2011

Verdades Sobre a Mentira


“Mentir é feio”. Essa frase perpassou os meandros da minha vida em etapas e lugares distintos. Desde a infância, com a alegoria do Pinóquio, até os tempos de universidade, com as reflexões sobre meio e fim. Todos mentem, seja deslavadamente ou com sutileza, para os quatro cantos ou interiormente. Quem nunca mentiu, que atire a primeira pedra!
Acontece que já não admito que os conceitos tenham significados essenciais. Afinal as coisas não são porque são, mas porque foram construídas. Meu divisor de águas foi uma pergunta tão óbvia quanto imprescindível ao bom pensador: por que não devo mentir? Francamente, senhores, vi quase todos os argumentos se esfacelando frente ao meu desespero auto-consciente.
Tudo que coíbe a mentira só o faz para que as ações se tornem previsíveis e, portanto, controláveis. A verdade é uma prática de subordinação à ordem. Isso é evidente, por exemplo, no que se refere à religião. O indivíduo que crê em Deus ou qualquer forma de força metafísica, evita de mentir – porque isso significa estar fazendo algo que não é admitido, a partir de seus próprios preceitos – ou se auto-flagela mentalmente, por medo do veredito divino.
Na verdade, é preciso não ser tão hobbesiano. A mentira tem pai e mãe, não é filhote apenas do interesse. Além dos malefícios futuros previstos que a mentira pode causar, devo ressaltar a perspectiva que privilegia o significado da ação. Em muitos casos, não mentimos porque estamos incorporados de tal maneira com o que sustenta a verdade que, sem pressão alguma, somos entoados a arcar com todas as consequências que a verdade pode trazer.
Sempre percebi um estatuto harmonioso na verdade. Pensemos bem: se, independentemente dos desejos, as ações convergirem, a coesão é promovida. E a mentira serve, em primeira instância, para isso: não ser plenamente servo de nada, inclusive do coletivo.
Que fique claro, antes de qualquer conclusão precipitada: não estou elaborando uma ode à mentira, mas sim divagando sobre sua natureza e possíveis implicações. Minto. Quero, antes de mais nada, distinguir os tipos de mentira.
Em primeiro lugar, é equivocado separar categoricamente mentira e omissão. Porque o princípio fundamental da omissão é querer driblar a norma, seja institucional ou mesmo numa micro-relação. Omitir é o que, senão uma forma velada de enganar a si mesmo de que não se está escondendo a verdade?
O problema crucial da mentira é o mesmo da verdade. Quando você incorpora-os sem questionamento, naturaliza seu comportamento. E aí mora um perigo devastador: passar a acreditar na própria mentira. Algumas minúcias não têm lá grande peso no cotidiano, como enganar a si mesmo uns “quilinhos” a menos, em prol da auto-estima. Complicado é quando nos prendemos a uma redoma de ilusões a ponto de nos alienarmos da realidade, perdendo a capacidade de alterá-la e, pior, sofrendo quando esses mundos se chocam.
Como fio-da-meada desse enredo, suscito a questão: a mentira pode ser moderadora? Penso não ser muito distante do cotidiano de ninguém perceber que a vida teria um sem-número de conflitos a mais deflagrados, se ninguém mentisse. Mas meu argumento não é baseado na utilidade, e sim na legitimidade. Quando a verdade provoca mais sofrimento que a mentira, para alguém que não tem mais onde se segurar, sua procura é impositiva mais que outra coisa. Ou, em outra circunstância, como concordar com uma verdade que não é justa, pois atende a uma submissão que o próprio submetido não aprova? - o famoso e nada querido “ter que dar satisfação”. O que vale mais: o significado da mentira ou suas causas e efeitos?
Nem toda mentira é egoísta. Em muitos momentos, ocultar – pelo mecanismo que for - uma minúcia pode evitar desgastes desnecessários e até evidenciar solidariedade ou apego. Se você sonhou com alguém ou notou um olhar malicioso no trabalho, talvez seja mais prudente não dizer ao cônjuge, já que isto não quebra nenhum contrato não-falado do relacionamento de vocês.
Avalio que a verdade deve ser meio e não fim. Ou seja, em vez de uma procura ininterrupta e independente da ocasião, deve ser o pilar da relação – e não a mentira. Quanto a mim, apesar de todo esse raciocínio, devo confessar: não sou lá chegado à mentira, não por ser escravo de qualquer vigilância religiosa, familiar ou governamental. Meu entrave, estético que é, regressa ao princípio: mentir é feio.

 Marcel Albuquerque  

sexta-feira, 18 de março de 2011

Em defesa do blog de Maria Bethania

Jorge Furtado, cineasta
A gritaria contra o blog de Maria Bethânia é uma mistura de ignorância, preconceito e mau-caratismo.
Ignorância, porque parte de idéia absolutamente falsa de que os produtores do blog – que pretende exercer a tarefa vital de divulgar a poesia – recebeu ou vai receber este dinheiro do governo.
Juro que tenho saudade do tempo em que se lia fato ou ficção, hoje o que mais há são equívocos e mentiras, que não são um nem outro.
O fato é que a única coisa que os produtores do blog receberam do governo foi aautorização para se humilhar, pedindo a empresários, de porta em porta, que considerem a possibilidade de, ao invés de entregar parte de seus impostos ao governo, patrocinar, com a vantajosa exposição de suas marcas, um blog de uma extraordinária artista brasileira, blog este que tem como objetivo divulgar a poesia, não há tarefa mais nobre.
Nada garante que os produtores do blog terão sucesso em sua jornada de mendicância entre a elite empresarial brasileira, frequentemente iletrada. O mais provável é que consigam apenas uma parte desta verba e tenham que redimensionar o projeto, o que seria uma pena.
Na minha opinião, o governo brasileiro deveria tirar do seu caixa o dinheiro (1,3 milhões de reais, uma ninharia perto da roubalheira do Detran gaúcho, dos pedágios paulistas, da máfia do governo Roriz/Arruda no DF, etc, etc...) e entregar para a Maria Bethânia, junto com um buquê de rosas e um cartão, pedindo desculpas pela confusão.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Vamos encarar a realidade?

Eu não posso dizer que ela me decepcionou. Eu não tenho o direito de achar que meu coração tem duzentos e cinqüenta e cinco cicatrizes porque o amor é uma faca afiada que corta. Vamos jogar aberto. A culpa é minha. Eu dei meu coração. Eu inventei um amor. Eu criei expectativas. Então, com sua licença. A culpa é minha. Minha culpa. Minha feia culpa que é minha e de mais ninguém. Minha culpa de sete pontas. Minha culpa que me faz olhar a vida e me sentir personagem principal de uma página triste. E não é só triste. É uma culpa boa. Porque também me faz exercitar um sentimento maior (e mais brilhante que o mundo): o perdão. Se eu pudesse escolher um verbo hoje, eu escolheria perdoar. Assim, conjugado na primeira pessoa, com objeto direto e ponto final: eu me perdôo. Não, eu não te perdôo porque não tenho porque te perdoar. Você não fez nada. Tenho que perdoar a mim. A mim, que me ferrei. Me iludi. Me fodi. Me refiz. Me encantei. A culpa é minha. Minhas e das minhas expectativas. Minha e do meu coração lerdo. Minha e da minha imaginação pra lá de maluca. Então, com sua licença, deixe eu e minha culpa em paz. Eu e meu delicioso perdão por mim mesmo. Eu só te peço uma coisa. Pare de culpar a vida. Pare de ter pena de você. Se assuma. Se aceite. Se culpe. Se estrepe. Se mate. Mas se perdoe. Pelo amor de Deus, se perdoe. (Somos todos culpados, se quisermos. Somos todos felizes, se deixarmos).